
24 julho, 2025
FBN e adubos nitrogenados em soja
A aplicação de nitrogênio na cultura da soja ainda divide opiniões. Precisa? Até quantos pontos de N eu não prejudico a fixação? Saiba mais nesse texto!
A soja (Glycine max L.) é uma leguminosa de grande importância econômica e social, sendo uma das principais fontes de proteína vegetal e óleo comestível no mundo. No Brasil, sua relevância ultrapassa as fronteiras da alimentação, movimentando bilhões de reais em exportações e sustentando diversas cadeias produtivas. Essa cultura demanda grandes quantidades de nitrogênio (N) — aproximadamente 80 kg de N são necessários para a produção de 1 tonelada de grãos. No entanto, diferentemente de outras culturas, a soja possui uma notável capacidade de suprir sua necessidade nitrogenada por meio da fixação biológica de nitrogênio (FBN).
O Brasil se tornou uma referência internacional no desenvolvimento de estirpes altamente eficientes de Bradyrhizobium, adaptadas às condições tropicais e às exigências das cultivares modernas de soja. Graças à biotecnologia aplicada à agricultura tropical, o país conseguiu reduzir drasticamente a dependência de fertilizantes nitrogenados, alcançando economias superiores a 25 bilhões de dólares apenas em 2024. As tecnologias desenvolvidas no Brasil são hoje exemplo mundial, tendo impacto direto na redução de custos, no aumento da sustentabilidade e na mitigação das emissões de gases de efeito estufa.
Para que esse sistema seja bem-sucedido safra após safra, é fundamental realizar a inoculação das sementes com Bradyrhizobium na implantação da cultura e a reinoculação periódica nas safras seguintes. Isso porque os solos brasileiros, originalmente, não possuem rizóbios nativos capazes de nodular soja de forma eficiente. Além disso, condições como acidez elevada, baixa matéria orgânica ou compactação podem comprometer a sobrevivência e a atividade dessas bactérias.
Como funciona a FBN?
A fixação biológica do nitrogênio ocorre por meio da simbiose entre a soja e bactérias do gênero Bradyrhizobium, que colonizam as raízes e formam estruturas especializadas chamadas nódulos. Nessas estruturas, o nitrogênio atmosférico (N₂) é convertido em formas assimiláveis pela planta. O processo tem início com a exsudação de compostos orgânicos pelas raízes da soja, que atraem e ativam os rizóbios no solo.
A controvérsia sobre a adubação nitrogenada
Apesar da eficiência da FBN, ainda há discussões sobre o uso complementar de fertilizantes nitrogenados na soja. Argumenta-se que a aplicação de N mineral pode proporcionar melhor arranque inicial ou aumentar a produtividade, especialmente em cultivares de alto teto produtivo. Entretanto, os custos elevados dos fertilizantes e os efeitos negativos sobre a FBN devem ser criteriosamente avaliados.
Estudos da Embrapa demonstram que a adubação nitrogenada não apenas é desnecessária para a soja, como também pode inibir a formação dos nódulos e comprometer o processo simbiótico. A instituição recomenda que a cultura seja conduzida sem qualquer aplicação de nitrogênio mineral, seja no plantio, florescimento ou enchimento de grãos.
Ativação gênica e sinalização
A infecção da raiz pela bactéria depende de um processo de sinalização molecular altamente regulado, que envolve a ativação de genes específicos na planta. Essa ativação gênica ocorre em resposta a sinais químicos liberados pelos rizóbios, como os Nod factors, que ativam vias de sinalização nas células da raiz. A planta, por sua vez, expressa genes que permitem a formação do nódulo e a acomodação das bactérias em seu interior. No entanto, em presença de N mineral no solo, a planta interpreta que há nitrogênio disponível e inibe a expressão desses genes, bloqueando a formação da simbiose.
Por que evitar o fornecimento de N mineral?
A adição de N mineral ao solo inibe a FBN por dois mecanismos principais:
- Supressão da nodulação: altos teores de N na solução do solo reduzem a sinalização planta-bactéria, impedindo a ativação dos genes relacionados à nodulação.
- Repressão da atividade nitrogenase: mesmo que a nodulação ocorra, o fornecimento exógeno de N inibe a atividade da enzima nitrogenase, responsável pela conversão de N₂ atmosférico em amônio
Adicionalmente, o nitrogênio aplicado é suscetível à volatilização e lixiviação, resultando em perdas econômicas e ambientais. Estima-se que a FBN na soja tenha gerado uma economia de mais de 12 bilhões de dólares na safra 2019/2020, além de evitar a emissão de 183 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, valores altamente significativos em termos de sustentabilidade e balanço de carbono.
A importância do ambiente do solo
Para que a FBN seja plenamente eficiente, é fundamental que o solo ofereça condições favoráveis à sobrevivência e atividade dos rizóbios. Entre os principais fatores estão:
- Teores adequados de matéria orgânica;
- Umidade e temperatura equilibradas;
- pH próximo da neutralidade;
- Ausência de compactação do solo.
Microrganismos, como os Bradyrhizobium, são organismos vivos sensíveis ao ambiente. Solos mal estruturados, com pH ácido ou baixa CTC, reduzem a efetividade da inoculação. Assim, fornecer um “ambiente confortável” às bactérias é de suma importância. Afinal, o produtor compra um trator com ar condicionado e maior potência para ter um melhor conforto e rendimento operacional. Com os microrganismos não pode ser diferente! É necessário dar as devidas condições para que eles garantam uma fixação eficiente.
Rotacionar culturas, evitar o revolvimento, manter plantas vivas no sistema e diversificar espécies em épocas de entressafra são ações que favorecem a manutenção da microbiota, o aumentam o teor de matéria orgânica e o sucesso da inoculação.
A exceção: doses iniciais muito baixas
Embora o uso de N mineral deva ser evitado, doses inferiores a 20 kg/ha podem ser toleradas em situações muito específicas, como em solos pobres ou de abertura, desde que não comprometam a nodulação. A aplicação de ferticorretivos que não contenham N é uma alternativa inteligente e compatível com os princípios da Ferticorreção.
Conclusão
A adubação nitrogenada da soja representa uma prática desnecessária do ponto de vista técnico, agronômico e econômico. O sucesso da FBN depende, sobretudo, de boas práticas de manejo e do respeito ao equilíbrio químico, físico e biológico do solo. Ao fornecer as condições adequadas para os rizóbios, o sistema simbiótico se torna autossuficiente, sustentável e altamente produtivo.
A Ferticorreção, ao tratar o solo de forma integrada, contribui decisivamente para esse processo. Assim como a planta é capaz de ativar genes e recrutar microrganismos em momentos críticos do seu desenvolvimento, cabe ao agricultor criar um ambiente que permita essa expressão máxima do potencial biológico do solo. Nesse contexto, a não aplicação de N na soja deixa de ser uma recomendação isolada e passa a ser parte de uma visão mais ampla de agricultura regenerativa, eficiente e integrada.
É preciso parar de tratar a FBN como uma prática isolada e enxergar que seu sucesso depende de outros fatores. Quando a Ferticorreção diz que “tudo interfere em tudo” ou que “uma prática tem influência direta e indireta em outras” é sobre isso que queremos falar. Não está se cravando em pedra que é proibido utilizar N na soja, mas que sistemas bem manejados, integrando os conceitos químicos, físicos e biológicos, não se faz necessária essa prática. Isso traz lucro, eficiência e resiliência ao sistema produtivo.
REFERÊNCIAS
CRISPINO, C.C. et al. Adubação nitrogenada na cultura da soja. Londrina: EMBRAPA Soja, 2001. (Embrapa Soja. Comunicado técnico, 75).
HUNGRIA, M; MENDES, I.C; MERCANTE, F. M. A fixação biológica do nitrogênio como tecnologia de baixa emissão de carbono para as culturas do feijoeiro e da soja. Londrina: Embrapa Soja, 2013. 24 p.: il.; 21cm. - (Documentos / Embrapa Soja, ISSN 1516-781; n.337)
HUNGRIA, M.; CAMPO, R.J.; MENDES, I.C. A fixação biológica do nitrogênio na cultura da soja. Londrina: Embrapa Soja, 2001. (Embrapa Soja. Circular Técnica).
JUNIOR, A. A. B. et al. Desempenho agronômico da soja em diferentes densidades de plantas e épocas de aplicação de nitrogênio em sistema de plantio direto. Rev. Cienc. Agrar., v. 59, n. 2, p. 132-137, abr./jun. 2016.
PRANDO. M. A. et al. Coinoculação da soja com Bradyrhizobium e Azospirillum na safra 2023/2024 no Paraná. Londrina, PR. Circular Técnica 212 ISSN 2176-2864 | novembro, 2024.
TELLES. T. S.; NOGUEIRA. M.A.; HUNGRIA. M. Economic value of biological nitrogen fixation in soybean crops in Brazil. Environmental Technology & Innovation, Londrina. Volume 31, 2023,103158, ISSN 2352-1864
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