
2 junho, 2025
Interferência das plantas no pH do solo
Ferticorreção integra nutrição e correção do solo, considerando como o tipo de nitrogênio modula o pH da rizosfera e afeta a absorção de nutrientes.
As plantas são organismos altamente adaptáveis ao meio em que se desenvolvem, característica que contribuiu para sua permanência e evolução na superfície terrestre por milhões de anos. Embora o processo de domesticação tenha modificado diversas características morfofisiológicas das espécies cultivadas, muitas plantas ainda mantêm sofisticados mecanismos para modificar o ambiente rizosférico como estratégia de sobrevivência. Dentre esses mecanismos, destaca-se a capacidade de modular o pH do solo ao redor da raiz por meio da liberação seletiva de íons.
A rizosfera, região milimétrica que circunda as raízes, é um microambiente fundamental onde ocorrem processos essenciais como a absorção de nutrientes, interações mutualísticas com microrganismos e reações químicas que afetam diretamente a disponibilidade de elementos. Um dos principais moduladores do pH nessa região é a forma de nitrogênio fornecida à planta.
O nitrogênio pode ser absorvido principalmente em duas formas inorgânicas: amônio (NH4+) e nitrato (NO3-). A absorção de cada forma envolve respostas distintas por parte da planta em termos de balanço iônico e energético, o que resulta em alterações significativas no pH da rizosfera. Quando a planta absorve NH4+ um cátion, há a liberação concomitante de íons H+ no meio externo, a fim de manter o equilíbrio eletroquímico, promovendo acidificação do solo. Esse processo também está associado à despolarização da membrana plasmática e aumento da atividade da bomba H+-ATPase, intensificando a acidificação do ambiente rizosférico.
Por outro lado, a absorção de NO3- um ânion, tende a provocar o efeito oposto. Para manter o balanço iônico, a planta pode liberar íons OH- ou HCO3-, resultando em uma alcalinização do meio. Além disso, durante o processo de assimilação do nitrato, ocorre o consumo de H+ no citoplasma e a produção de OH-, que pode ser excretada, contribuindo para o aumento do pH na rizosfera.
A imagem abaixo representa essas mudanças de pH rizosférico conforme a fonte de nitrogênio:
Figura 1. Efeitos de formas de nitrogênio (NO3- e NH4+) nos valores de pH da rizosfera de plantas de trigo com duas semanas.

Essas alterações têm implicações agronômicas relevantes, uma vez que a disponibilidade de diversos nutrientes no solo é pH-dependente. A acidificação provocada pela absorção de NH4+ pode aumentar a solubilidade de nutrientes como, ferro (Fe), manganês (Mn), cobre (Cu) e zinco (Zn), os quais têm baixa mobilidade em solos neutros a alcalinos. Em contrapartida, o aumento do pH rizosférico decorrente da absorção de NO3- pode favorecer a absorção de cátions como potássio (K+), cálcio (Ca2+) e magnésio (Mg2+).
Além disso, há uma interação complexa entre o pH do solo e a forma preferencial de nitrogênio absorvida pelas plantas. Espécies adaptadas a solos ácidos tendem a preferir o nitrogênio na forma amoniacal, enquanto plantas adaptadas a ambientes alcalino, com pH mais elevado, absorvem preferencialmente o nitrato.
O nitrogênio é um dos macronutrientes mais exigidos pelas plantas e desempenha funções cruciais no metabolismo vegetal. Ele é componente estrutural de moléculas essenciais, como aminoácidos, proteínas, ácidos nucleicos (DNA e RNA), clorofila, e diversas coenzimas. Sua presença é determinante para o crescimento vegetativo, atuando diretamente na expansão celular, na fotossíntese e na produção de compostos secundários envolvidos na defesa e adaptação da planta ao ambiente
Ferticorreção: uma visão holística da nutrição e correção do solo
Ao compreendermos como as diferentes fontes de nitrogênio influenciam o pH da rizosfera, somos levados ao conceito de Ferticorreção, que propõe uma abordagem integrada da nutrição e da correção do solo. A ferticorreção não se limita ao fornecimento de nutrientes, mas considera de forma estratégica as interações entre adubação, acidez, dinâmica da matéria orgânica e biologia do solo, reconhecendo que a escolha da fonte de nitrogênio influencia diretamente a acidez da rizosfera e, consequentemente, o aproveitamento de outros nutrientes.
Dentro desse conceito, as plantas não são apenas consumidoras de nutrientes, mas também agentes ativos na modulação do ambiente químico e biológico do solo. Ao escolhermos fontes como N-NH4+ ou N-NO₃-, influenciamos não só o balanço de nutrientes disponíveis, mas também as respostas fisiológicas das plantas e sua capacidade de alterar o pH local. Essa atuação das plantas é parte fundamental da estratégia de ferticorreção.
Outro aspecto importante é a rotação de culturas. Alternar espécies que tendem a acidificar o solo com outras que promovem alcalinização é uma estratégia agronômica inteligente e sustentável. Culturas leguminosas, por exemplo, frequentemente acidificam o meio, enquanto algumas gramíneas ou espécies adaptadas a ambientes calcários contribuem para o aumento do pH local. Essa diversificação ajuda a manter o solo em equilíbrio, evita extremos de acidez ou alcalinidade e promove uma microbiota mais diversa e funcional.
Portanto, ao adotar a ferticorreção como prática contínua, não apenas suprimos nutrientes, mas também manejamos a dinâmica da acidez e a funcionalidade da rizosfera, permitindo que o solo e as plantas operem de forma mais eficiente e resiliente. A escolha consciente da fonte de nitrogênio e o manejo da rotação de culturas são, nesse contexto, ações fundamentais para o sucesso agronômico e a saúde do solo a longo prazo.
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